
(Publicados en Revista VA, n. 2, Santiago, 2009)
Cantaré yo de amor tan dulce,
por voces en sí tan juntadas,
que de amor dos mil nadas
sentirá el pecho que no sufre.
Haré que alumbre Amor,
trazando mil esfinges blandas,
errados soplos, iras ralas,
osadías y el ausente dolor.
Y, Mujer, del desdén honesto
de tu vista azul, peligrosa,
diré sino la menor parte,
pues, para cantar de tu gesto
la fórmula alta y milagrosa,
falta saber, ingenio y arte.
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.
·
Si al perderte, Esperanza,
también la memoria marchara
del bien pasado y mal actual
menguaría este dolor visceral.
Mas Amor, íntimo en confianza,
repite hoy claramente
horas alegres,
atibórrame el ojo en remembranzas:
cosillas invisibles
relegadas en la memoria
que ahora me acosan.
Cruel sino de tormentas,
¿por qué este mal visible
de memorias perdidas y aún bellas?
Se quando vos perdi, minha esperança,
A memória perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.
Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.
De cousas de que não havia sinal,
Por as ter postas já em esquecimento,
Destas me vejo agora perseguido.
Ah, dura estrela minha! ah, grão tormento!
Que mal pode ser mor que, no meu mal,
Ter lembrança do bem que é já perdido?
.
Mútanse los tiempos, muta el querer,
mútase la confianza, muta el ser;
todo el mundo es mutar,
siempre otra cualidad:
siempre primicias manan,
tan ajenas de la esperanza;
del mal queda el dolor en el recuerdo,
y del bien (¿hubo?) los remordimientos.
Que el tiempo cobre al llano el verde manto
o que se cobre ya con nieve,
vierte aun en llanto el dulce canto.
Y, además de que muta siempre,
otro es su mutar, y de más espanto:
que no muta ya como antaño.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
.
Qué sutil la naturaleza:
para huir del mundo y desengaño
deja ocultarse en tiernos años
de un bordón la belleza;
pero cómo ocultar esa riqueza
y gravedad de ojear dominador:
¿cómo aguantar y con qué fortaleza,
hombre que soy, su resplandor?
Por liberarnos de pena y dolor,
vista su vista en la memoria,
en el pensar condena,
pues, si gano mirar su órbita,
me apresa; porque Amor ordena
su continua victoria.
Que modo tão sutil da natureza,
Para fugir ao mundo, e seus enganos,
Permite que se esconda em tenros anos,
Debaixo de um burel tanta beleza!
Mas esconder-se não pode aquela alteza
E gravidade de olhos soberanos,
A cujo resplandor entre os humanos
Resistência não sinto, ou fortaleza.
Quem quer livre ficar de dor e pena,
Vendo-a ou trazendo-a na memória,
Da mesma razão sua se condena.
Porque quem mereceu ver tanta glória,
Cativo há de ficar; que Amor ordena
Que de juro tenha ela esta vitória.
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